A) O Movimento do Associativismo e da Democracia Participativa nasceu no essencial da constatação do deficit de Democracia Participativa e da circunstância deste deficit assentar no inexistência de condições de sustentabilidade do seu funcionamento e exercício. A Democracia Participativa ou o combate pelo seu pleno desenvolvimento surge assim como o grande propósito do processo que se iniciou há mais de um ano.
Por razões que têm a ver com a viabilização desse combate assumiu-se, como objecto do processo, a afirmação do associativismo, pela consciência que se teve e tem de que as associações são, por princípio, uma forma organizada de Democracia Participativa, constituindo-se na prática como instrumentos preciosos nao organização e animação do processo.
Ao se introduzir a dimensão Associativismo, ao se assumir as associações como um dos suportes estratégicos do Movimento, tornou-se naturalmente necessário debater também a sua sustentabilidade e exequibilidade. Muita da reflexão se orientou, por isso, para quetsões concretas - vitais - que têm a ver com o quotidiano, o presente e o futuro das associações.
Tal, no entanto, não nos pode levar a perder de vista que o grande propósito político deste Movimento é o da Democracia Participativa, que não se esgota, antes pelo contrário, nas Associações.
B) O Movimento do Associativismo e da Democracia Participativa que tem vindo a desenvolver-se desde Setembro de 2009 teve um momento de particular visibilidade no Congresso realizado em 13 e 14 de Novembro de 2010.
O interesse demonstrado pelos/as participantes, nos diversos espaços de comunicação, partilha, reflexão e debate, enriqueceram bastante o Congresso. A pluralidade de perspectivas em relação a alguns aspectos vieram reforçar a ideia de que o associativismo está vivo. A controvérsia é inerente à Democracia Participativa e à Democracia Deliberativa e, nesse sentido, constitui uma expressão de vitalidade do Associativismo Cidadão. Ficou patente ao longo do Congresso que estamos a construir um movimento plural e inclusivo do Associativismo Cidadão e da Democracia Participativa.
Partindo de uma grande diversidade de culturas e experiências individuais e colectivas, vai-se corporizando um movimento social centrado na promoção e produção da cidadania. Ser cidadão/ã pressupõe hoje, como nunca, ser sujeito do seu próprio desenvolvimento. Aprende-se exercendo o “direito de”, em interacção, num processo colectivo, numa rede de solidariedades onde, a partir dos nossos espaços quotidianos, nos conscientizamos e intervimos como seres sociais.
Neste processo de construção da cidadania, o direito de questionar os próprios direitos que nos são reconhecidos e a ordem instalada que confere ou não esse reconhecimento, leva-nos a procurar alternativas de mudança face às actuais condições socioeconómicas de opressão e exploração. Assim, vai emergindo neste movimento social nascente, a consciência política, no sentido mais largo deste termo, em íntima relação com a valorização de uma prática de Democracia Participativa (DP).
A Democracia Participativa é o caminho por onde aprendemos a atravessar a diversidade, respeitando as diferenças, gerando solidariedades e produzindo cidadania. Percorre-se este caminho escutando, dizendo, entendendo-nos, questionando-nos, escolhendo, decidindo, fazendo, transformando e lutando para que a DP seja ela própria cada vez mais valorizada e praticada a todos os níveis.
C) Este movimento partiu de um conjunto de associações com plena abertura à partilha de opiniões e experiências com outros espaços de desenvolvimento da DP e de produção de cidadania mas não abdicando de reflectir ao mesmo tempo sobre a vitalidade ou alienação da DP na dinâmica interna das próprias associações, na sua interacção com outras entidades e no tipo de intervenção que realizam, questionando-se estas associações sobre as formas de participação que promovem e até que ponto valorizam como sujeitos de corpo inteiro aqueles que abrangem nas suas iniciativas. Daí que o percurso das associações dentro deste movimento tenha feito emergir a consciência de que o modelo de associativismo que se quer assumir é o Associativismo Cidadão, pilar de sustentação das práticas de DP e motor da promoção e produção de cidadania em interacção solidária com a comunidade envolvente.
D) Nas tertúlias e plenários do Congresso, expressou-se de forma mais palpável um conjunto de preocupações, ideias e perspectivas que já vinham sendo aprofundadas anteriormente e que acima procurámos sintetizar. Porque todos estes processos de construção conjunta são morosos, terminámos o Congresso sem um documento acabado e consensual de decisões a acções programadas. Entretanto, face à riqueza do pensamento expresso em tantos contributos, e ao apelo unânime para que o movimento continue a crescer e a desenvolver-se, a Comissão Promotora comprometeu-se a interpretar o momento da caminhada em que nos situamos, apontando um conjunto de acções a realizar desde já e até ao próximo Congresso, a agendar para 2011:
1 – O Movimento em curso é constituído por todas e todos os que nele se reconhecem e participam, pessoas, associações e outros grupos formais ou informais; é todo este colectivo que se assume como responsável por dar corpo aos princípios que identificam o movimento, na medida em que os desenvolve na sua prática e contribui para o questionamento e descoberta das alternativas de mudança.
2 – A Comissão Promotora do Congresso, agora realizado, constitui-se a partir deste momento como Plataforma de Dinamização do Movimento do Associativismo Cidadão e da Democracia Participativa, estando esta plataforma aberta a integrar quem igualmente queira participar no processo de dinamização do movimento.
3 – A superação do isolamento e o desenvolvimento do diálogo, partilha, debate e tomadas de posição do movimento face à sociedade, exigem a criação e manutenção duma rede interactiva, que assentará, por um lado, em “pólos de proximidade” (núcleos de participantes no movimento duma mesma área geográfica) em que pelo menos uma entidade assegurará os contactos regulares com a Plataforma de Dinamização, e, por outro lado, os “grupos de trabalho temáticos”, que poderão funcionar não só através de reuniões, tertúlias, etc., mas também pelo sistema de intercâmbio e debate via internet, no contexto de um Fórum que urge criar, além do recurso à rede de emails e à animação do blogue já existente. Obviamente, os “pólos de proximidade” estão permanentemente desafiados a reflectir e dar contributos para os temas em debate, e também para promoverem iniciativas abertas sobre os temas que considerarem oportunos.
4 – Definem-se como eixos estratégicos da acção reflexão que o Movimento prossegue:
a) O associativismo e o seu relacionamento com o Estado e a Democracia Representativa/a sustentabilidade das formas organizadas de Democracia Participativa (as associações e a forma justa de compensação pelos bens de interesse público que produzem; as diferenças que apresentam face ao mundo das empresas e das agências, e as implicações que daí resultam em termos de financiamento e fiscalidade; o lugar que as associações e todos os sujeitos de cidadania devem ocupar nas audições políticas, concertações sociais e políticas orçamentais; a questão da certificação das associações. Neste contexto, o Movimento encara o dinheiro público como um bem comum e assume como umas das suas tarefas principais a sua conservação e seu controlo). Nota: este tema pode ser desdobrado pelos subtemas que nele se incluem.
b) Relações entre o Associativismo Cidadão e os outros Espaços de DP (que experiência já existe e como poderá promover-se mais a interacção entre associações e outros espaços de DP, nomeadamente em relação a áreas como a imigração, a exclusão social, a educação, o ambiente, a saúde, o desenvolvimento local, etc. O Movimento assume como espaços da sua actuação, áreas como a imigração, saúde e educação). Nota: este tema poderá ser desdobrado de acordo com a/s área/s de abordagem que cada grupo escolha.
Cada um destes eixos dará lugar aos polos de reflexão atrás referidos cujas propostas e medidas serão matéria de um novo debate alargado.
5 – A viabilização da Democracia Participativa e do Associativismo Cidadão pressupõe que entre os propósitos do Movimento se assuma como prioridade a denúncia:
- das formas actuais de financiamento de que as associações dependem;
- da política que assume as associações como entidades co-financiadoras de investimentos propostos a montante;
- das políticas de clientelismo que presidem às práticas de atribuição de financiamento;
- das tendências e tentações de controlar as associações, através de estratégias inspiradas no sector empresarial, nomeadamente, as formas de certificação e acreditação que estão actualmente presentes neste sector, que se insere numa lógica competitiva de mercado, e que já começaram também a penetrar nos serviços públicos;
- da falta de reconhecimento do papel das associações como fontes de produção de riqueza.
Esta denúncia, assim como a procura de formas alternativas às actuais práticas de financiamento, constituem matéria para mais um polo de reflexão dos grupos de trabalho atrás referidos.
6 – A Plataforma de Dinamização assume como tarefas prioritárias a título imediato e a curto prazo:
a) Envio da presente carta, via email aos participantes no Congresso e outros aderentes ao movimento, bem como aos órgãos de comunicação social.
b) Criação e dinamização da rede de suporte e interacção do movimento (ponto 3), e do arranque dos grupos de trabalho propostos (ponto 4).
c) Organização de toda a documentação já produzida no percurso do movimento e em torno do Congresso, com inclusão da mesma no blogue e diligências no sentido da publicação de uma brochura.
d) Reunir com os partidos que têm representação parlamentar a fim de:
- informar sobre o percurso do movimento e respectivo Congresso, denunciando desde já a gravidade da situação actual no que respeita ao deficit de Democracia Participativa e à crise de insustentabilidade nas associações;
- conhecer o que estes partidos pensam e estão a fazer face a esta matéria;
- informar sobre os grupos de trabalho em curso, cujas conclusões serão oportunamente divulgadas pelo movimento.
e) Iniciar um processo de denúncia das tentativas de acreditar o Movimento Associativo e a Democracia Participativa.
f) Iniciar o processo de organização do 2º Congresso do Associativismo Cidadão e Democracia Participativa.
Texto elaborado por António Cardoso Ferreira, revisto por Rui d'Espiney e Fernando Ilídio