quinta-feira, 13 de setembro de 2012

TEXTO DO ANTÓNIO CARDOSO FERREIRA - Em resposta ao desafio que o António Pinto Pereira lançou no sentido de haver contributos de alguns de nós para debate no Congresso Democrático das Alternativas

  PROPOSTA PARA O AVANÇO NO SENTIDO DE UMA DEMOCRACIA PLENA, PARTICIPADA E TRANSPARENTE   

Tal como em 25 de Abril de 1974, também agora a Democracia é fundamental face à crise civilizacional que estamos a viver.
 As medidas impostas como inevitáveis para o resgate da dívida pública têm caído sobre uma democracia participativa (DP) muito enfraquecida. O alheamento das pessoas em relação às instituições políticas foi aumentando de ano para ano, à medida que as estruturas partidárias dominantes adquiriam um estatuto cada vez mais sólido e auto-suficiente, desvalorizando a participação direta dos cidadãos na construção da sociedade e pervertendo o tecido social através duma teia de favores e dependências. Hoje, a descrença dos cidadãos quanto à democracia representativa (DR) evidencia-se por exemplo na elevada taxa de abstenção ás eleições e na percepção de que a própria governação do país está refém dos poderes internacionais que controlam a economia e a política para favorecer o enriquecimento de poucos à custa do empobrecimento de muitos, a quem se espezinham direitos fundamentais.
Por todas estas razões, a procura de alternativas para a saída da situação atual passa pelo urgente fortalecimento da democracia, de modo que os cidadãos se reassumam como sujeitos participantes nos caminhos a tomar para a coesão social e a autonomia do nosso país.
Tendo em conta aquilo que a Constituição da República Portuguesa estabelece sobre a complementaridade entre a DP e a DR, propomos que este Congresso aprove o lançamento de um processo de diálogo e interação entre cidadãos envolvidos nas práticas da DP e da DR, a partir do qual possam resultar medidas que pressionem simultaneamente a revitalização da DP e a credibilização da DR, implicando o reconhecimento, por parte do Estado, da necessidade de garantir que a DP passe a dispor de condições de emancipação, sustentabilidade e participação nos espaços de decisão política e de cidadania, em cooperação com as estruturas da DR e com os serviços públicos.
 Este processo corresponderá a um prolongamento do Congresso, com reuniões para a produção de propostas e aprovação das mesmas. Na agenda de pontos a abordar, propomos um enfoque prioritário no nível local, pois é a partir das relações de proximidade/ comunitárias que a DP se desenvolve e consideramos fundamental propor medidas que reformulem/revitalizem o estatuto, as condições de sustentabilidade e as formas de intervenção das Associações, Comissões de Moradores, grupos informais de cidadãos, etc, nomeadamente quanto à sua interação com os órgãos autárquicos e com as estruturas locais criadas para promover a cooperação entre comunidade e serviços (Conselho Local de Ação Social, Conselhos Municipais, Núcleo Local de Inserção, Comissão Protetora de Crianças e Jovens, Conselho Geral dos Agrupamentos Escolares, Conselho da Comunidade dos Agrupamentos de Centros de Saúde, etc).

António Cardoso Ferreira

domingo, 9 de setembro de 2012

BREVES REFLEXÕES SOBRE A DEMOCRACIA QUE TEMOS E A DEMOCRACIA QUE QUEREMOS
  •  Oito características pelo menos definem a ordem democrática que impera no nosso país:

  • - é de baixa intensidade. Limita-se a consagrar os mecanismos de representatividade não oferecendo condições à participação dos cidadãos nas decisões e opções dos representantes.
    - serve um poder hegemónico e estatizado. Os representantes aparecem divididos entre os que pertence e os que não pertencem ao chamado “arco da governação”, circunscrevendo a sua acção à manipulação ou tentativa de manipulação das alavancas do Estado, sem nenhuma interacção com os que os elegeram. - é estática e conservadora. Fixa como limites à contestação a inquestionabilidade do seu modelo de funcionamento: o direito é abordado à luz dos deveres que implica; o sistema vigente é assumido como uma ordem incontornável e só mutável a partir de si próprio.
    - é cada vez menos soberana. Progressivamente vem delegando os poderes que representa e as prorrogativas que possui nos detentores/dominadores da ordem económica e política europeia e mundial.
    - é clientelista. A cor politica prevalece sobre a competência na selecção dos decisores colocados em lugares chave do Estado e/ou do sector empresarial influenciado pelo Estado (e recorda-se a título de exemplo, porque recente, a designação do presidente do conselho de administração da RTP conhecido pela sua bajulação ao 1º ministro).
    - é promiscua na sua relação com a economia. Assiste-se a uma verdadeira “dança de cadeiras” entre decisores políticos e gestores empresariais.
    - é classicista. Por iniciativa da maioria tem-se assistido a um progressivo e continuado atentado aos direitos dos trabalhadores, à protecção dos interesses dos socialmente privilegiados e ao alargar do fosso entre pobres e ricos.
    - é monolítica. As regras de funcionamento e evolução do país são impostas pela maioria, sempre a mesma, apoiada na disciplina de voto, na obstrução à audição de governantes pelo Parlamento, no dictat quanto à definição da agenda politica. Como é evidente há diversidade na democracia representativa. Muitos dos representantes eleitos são opositores da tendência para que caminha a democracia hegemónica. O sistema está, no entanto, montado de modo a que não passem de simples vozes que não impedem a afirmação das características dominantes.
     2. A alteração desta matriz democrática é no entanto possível, passando pelo reforço e afirmação da democracia participativa que a Constituição Portuguesa reconhece como um dos dois pilares da democracia plena mas que a prática dominante esvaziou.
    Neste sentido impõe-se pugnar por algumas medidas. Sugerem-se, nomeadamente oito que se elencam de seguida, sem a preocupação de as hierarquizar por grau de importância. A saber:
    - Induzir os partidos que enformam a democracia representativa a dedicar uma parte do seu tempo ao diálogo (um diálogo instituído) com forças emergentes da democracia participativa, não como uma concessão de quem recebe mas como um direito de quem é recebido. (Do mesmo modo que algumas autarquias reservam um ou mais dias da semana a receber e ouvir os munícipes, os representes dos partidos abririam um tempo na sua agenda para atender os cidadãos colectivos que agem na sociedade).
    - Assegurar o financiamento da democracia participativa, pela afectação de verbas às suas formas organizadas, à semelhança do que acontece já em alguns países do norte da Europa. A desigualdade de oportunidades entre a democracia representativa e a democracia participativa está, de facto, bem patente na circunstância de à primeira serem facultadas todas as condições para o seu funcionamento material (vencimentos de representantes e assessores, orçamentação dos parlamento, pagamentos das campanhas eleitorais e de despesas de representação, etc…) ao mesmo tempo que são negadas as condições mínimas de subsistência das formas organizadas da democracia participativa… tratadas, por via de regra e na melhor das hipóteses, como prestadoras de serviços ao Estado e à própria democracia representativa.
    - Dar-se corpo a um movimento pró democracia participativa que se afirme interagindo com as várias iniciativas cidadãs esboçadas a nível local, regional e nacional em defesa dos bens públicos, dos direitos sociais e dos desenvolvimento alternativo e tendo presente que está em causa uma crise que é civilizacional e mundial embora se exprima, a mais das vezes, de forma circunscrita.
    - Encorajar a desobediência e a indignação. A democracia hegemónica sustenta-se na aceitação ordeira das suas práticas e manifestações, legitimando-se pela sacralização do seu próprio funcionamento. Superar esta ordem implica necessariamente uma prática transgressora.
    - Desmontar os discursos dominantes. A democracia hegemónica reproduz-se e valida-se a partir de uma argumentação que naturaliza as suas opções, apoiando-se para o efeito na influência dos média que, de uma forma geral, alimentam esses discursos dando a voz, privilegiadamente, a quem os profere. Não é possível gerar contra corrente sem contrapor ao conhecimento hegemónico explícito um conhecimento alternativo, hoje ainda marginal.
    - Animar e privilegiar os processos participativos nos mais diversos domínios (economia, cultura, educação, saúde, etc..) e âmbitos. A democracia plena constrói-se de baixo para cima e do pequeno para o grande, dando centralidade ao periférico e apostando-se no alterativo (no criação de um outro eu) mais ainda do que no próprio alternativo.
    - Promover uma cultura da escuta, com o que se quer significar não apenas desocultar o que está oculto, ouvir o que está silenciado ou silencioso mas também interagir com quem se escuta e/ou se não ouve.
    3 -   A democracia representativa é um imperativo, mas sem se reconfigurar, sem uma nova relação com os cidadãos, sem o impulso da democracia participativa tende a tornar-se, inevitavelmente, uma alienação. Assim o mostra o que está a acontecer no nosso país. Só com a democracia participativa, a democracia representativa cumprirá o mandato do pensamento republicano: liberdade igualdade e fraternidade.
    Rui d'Espiney