sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

CONGRESSO DO ASSOCIATIVISMO E DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Algumas Linhas de Força do Processo em Curso

Rui D’Espiney

A reunião de associações realizada no ISCTE, a 21 de Novembro de 2009, saldou-se pela explicitação de linhas de acção que surgem como um impulso ao movimento que começa a tomar corpo em ordem à afirmação da Democracia Participativa e do Associativismo, movimento lançado em Coimbra por 9 associações que se encontraram a partir da reflexão produzida numa tertúlia que teve lugar na Manifesta de Peniche. São essas linhas que aqui se apresentam sucintamente.

A. Assumir a preparação do Congresso como um processo
Reafirma-se o propósito de se caminhar para a realização, em finais de 2010, de um grande congresso do Associativismo e da Democracia Participativa onde, se espera, se aprofundem conceitos, se formulem reivindicações e se clarifiquem estratégias.

Assume-se, no entanto, a caminhada para o congresso como um processo de crescente envolvimento das associações em torno da construção de “argumentário” que legitime o movimento enquanto projecto politico da Democracia Participativa e que se deverá organizar de baixo para cima, conscientizando-se pela reflexão que se for produzindo.

Assume-se, também, que o congresso não deverá ser tido como um ponto de chegada mas como um momento de sistematização que ajude a fundamentar e estimular os passos seguintes. Quer-se que seja, tão somente,uma “placa giratória” que receba a dinâmica em curso para a projectar com ainda maior energia no futuro.

B. Intencionalidades que se prosseguem
Há naturalmente um conjunto de propósitos concretos que se quer alcançar com este movimento. Para além dos que venham ainda a ser formulados pelas várias reuniões que se seguirão, reconhecemo-nos nos seguintes.

1º - Dar corpo a um movimento amplo de associações, condição necessária à sua visibilidade, à construção da capacidade reivindicativa que se impõe, e a que surja como um facto politico incontornável de 2010.

2º - Caminhar para a estruturação do que designamos por “Pensatório” incidindo sobre o sentido e a natureza do Associativismo, da Democracia participativa e da cidadania (e em que se torne claro o pensamento crítico que anima o movimento).

3º - Orientar a reflexão e a acção das associações para a promoção e participação das comunidades locais, e para a resolução dos seus próprios problemas, enquanto condição de reforço da democracia e do exercício da cidadania.

4º - Dar corpo a estratégias de interacção com a Democracia Representativa e o Estado, de que possa resultar não apenas a requalificação destes como a sustentabilidade e o reconhecimento do papel social do Associativismo e da democracia Participativa.

5º - Possibilitar a autoconscienctização do movimento associativo nomeadamente no que se refere à exigência de surgir não só como promotor mas também como produtor de cidadania.


C. Algumas estratégias
Tendo em vista operacionalizar o movimento que nos propomos desencadear, definem-se como estratégias para o imediato:

- Adopção de um texto fundamentador e orientador do processo que funcione como um factor de congregação e implicação das associações, texto que se quer aberto à incorporação de contributos. Considera-se suficiente o documento saído da reunião de Coimbra.
- Aposta num envolvimento progressivo das associações, cativando as que desde já pareçam passíveis de aderir ao que se propõe.
- Recurso a espaços de reflexão e problematização de base local, admitindo-se, no entanto, diversidade de âmbito (local, sub-regional e regional).
- Esforço de alargamento para regiões onde se não conta ainda com associações aderente (Sul, Trás-os-Montes, Açores, Nordeste Alentejano).
- Publicitação e divulgação do movimento, no sentido de se proporcionar a sua visibilidade, para o que se considera um instrumento precioso a iniciativa havida de se organizar um blogue.
- Progressiva construção de um caderno reivindicativo do Associativismo.
- Necessidade imperativa de trazer ao movimento associações de diferentes domínios de intervenção (juventude, ambiente, saúde etc.)

D. Contributos para um “Pensatório”

As linhas de força explicitadas foram definidas a partir da reflexão produzida pelos presentes, reflexão que proporcionou igualmente a identificação de questões que o movimento deverá aprofundar no próprio processo do seu desenvolvimento. Nomeadamente:
- O entendimento necessário sobre o sentido de cidadania, em rotura com a tendência dominante para a reduzir à noção de civilidade;
- A clarificação da ideia de associativismo cidadão, tornando evidentes as formas que o assegurem, os obstáculos que se levantam e as condições e estratégias de promoção da participação;
- A percepção do papel da solidariedade no desenvolvimento da Democracia participativa e do caminho que a ela conduz;
- A/o desigual sensibilidade /entusiasmo que revelam os vários associativismos mobilizáveis para a problemática em aberto, realidade que nos remete para a necessidade de nos apercebermos das razões que levam certos sectores a não se implicar (como parece ser o caso dos jovens);
- O fosso que existe, e que importa vencer, entre o mundo e os valores da política e o mundo e os valores dos cidadãos comuns.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Associativismo e Democracia Participativa

Breves notas sobre a ideia da realização do Congresso

Reunião da equipa de cidadania participativa do Moinho da Juventude, Cova da Moura
21/10/2009


COMO SURGIU A IDEIA
- A ideia surge inicialmente no quadro da Manifesta realizada em Peniche. Em causa a realização de um Congresso a partir de propostas e ideias das pessoas/associações que trabalham no terreno.
- Entretanto tem lugar, em Coimbra, em 19/9/2009, uma primeira reunião da Comissão Promotora do Congresso do Associativismo. Neste encontro foram debatidas questões como as associações como possíveis formas organizadas de democracia participativa; a crise de sobrevivência que hoje se vive e a necessidade de – justificados – apoios; a discrepância entre os apoios concedidos à democracia representativa e à democracia participativa (apesar de consideradas em termos de igualdade pela Constituição).

DEBATE
- Logo a seguir ao 25 de Abril – e ainda que por um curto período – as associações foram financiadas. Como repensar e recuperar esta e outras experiências históricas (também as anteriores a 25 de Abril)?
- Democracia actual – truncada. Há entretanto experiências interessantes a considerar, nomeadamente no que respeita ao orçamento participativo. Referência a Agenda 21 Local. Necessário criar grande movimento (também com associações de imigrantes – caderno reivindicativo). Ter presente a questão fundamental da pobreza/exclusão social. Para que haja eco – juntar associações para que se assumam como parceiro social. Ouvir todos – criar bola de neve.
- A autonomização/independência como elemento fulcral. O poder tem apetência para controlar movimento(s) associativo(s). Financiamento é (terá de ser) diferente de dependência. Evitar situações de subsídio-dependência. Relação entre associativismo e poderes instituídos – pedra-de-toque.
- Necessária auto-análise das associações: que contributo dão (têm dado) para promover a participação? O associativismo é ou não local de democracia? (nem sempre o será) Indispensável ouvir quem vive no local. Trabalho conjunto também ao nível das decisões.
- A participação tem que envolver os não reunidos pelo associativismo
- Cuidado com a possível apropriação da democracia participativa pela democracia representativa e aproveitamento partidário dos grupos comunitários. [porque não uma candidatura verdadeiramente independente?]

Algumas EXPERIÊNCIAS CONCRETAS
[a troca/partilha de experiências é o mais importante]
- Moinho da Juventude
- Peritos de experiência em articulação com técnicos – uma forma de democracia participativa
- Peritos de experiência [um projecto europeu] – ponto de partida: reflexão sobre a experiência de vida; a formação tem lugar como reflexão a partir de vivências difíceis, nomeadamente pobreza; uma reflexão participada, conhecimento partilhado; numa etapa posterior, o perito trabalha, numa organização, em conjunto com os técnicos; não há relação hierárquica.
- PROACT
- Nasceu ligada à Universidade, para estudar projectos comunitários – numa perspectiva de investigação/acção
- O trabalho teve início no Alentejo, expandindo-se hoje também para fora do país, de Cabo-Verde a S. Tomé e Príncipe (uma experiência de micro-crédito)
- Nas suas andanças, deparou-se com as mais variadas experiências associativas - de real participação ao caciquismo associativo
- Experiências de democracia participativa: Carnide (reuniões regulares trabalho comunitário – há já 16 anos; orçamento participativo, resultante deste trabalho); Bairro Padre Cruz (reunião mensal aberta a toda a gente); Horta Nova (encontro semanal com a população)

CONGRESSO [ideias várias]
* Congresso como corolário do movimento social
- Linhas de força:
- Oportunidade de redefinir papel das associações (vertentes: promover e/ou produzir participação). Sua requalificação.
- Laicização – relacionamento com o Estado de forma autónoma
- Reconhecimento do papel do associativismo no desenvolvimento geral da sociedade
- Que paços dar?
- Alargar movimento
- Debater experiências concretas
- Relação entre formas de democracia. Requalificar a democracia representativa [possível debate com representantes de partidos políticos]
- Local proposto – Tondela (ACERT/Trigo Limpo)

* Envolvimento de um número representativo de associações (tendo em conta que prática de democracia participativa não abarca todas as associações)
- Encontros a nível local (e não concelhio) – tendo em conta dinâmicas próprias
- Envolvimento de associações jovens

LISBOA:
- Partilhar experiências de participação
- Relacionamento com representantes da democracia representativa
- Quais os nossos contributos para a sociedade

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Dar corpo a um Movimento Social

Texto de Rui D'Espiney

1.A Constituição da Republica Portuguesa contempla, quase diríamos com igual dignidade, a Democracia Representativa e a Democracia Participativa. Dela ressalta com clareza que uma e outra são estruturantes do funcionamento da nossa sociedade.
O Tratamento que lhe é dado, na prática, a cada uma destas formas de democracia é, no entanto, bem distinto:
- À Democracia Representativa são concedidas todas as condições de sustentabilidade suportadas que são, pelo orçamento de Estado, as várias despesas com o seu funcionamento (inclusive as efectuadas em ordem à competição entre concorrentes).
- À Democracia Participativa nenhum meio material é facultado. O Estado não contribui com um cêntimo para a sua viabilização.
Dito de outra forma garante-se a Representação mas não se investe na Participação e porque a Democracia Plena só existe quando uma e outra funcionam pode, de facto, dizer-se que a nossa Democracia está coxa.

2. Promover a Democracia passa, na verdade, por viabilizar as condições de exercício da Democracia Participativa, isto é, passa por proporcionar a sustentabilidade material das iniciativas e estruturas que promovem a participação de entre as quais se destacam as formas organizadas de DP que são as Associações. Não é, no entanto, isso que acontece: longe de serem encaradas como focos de promoção e produção de participação as Associações são tratadas enquanto meras empresas prestadoras de Serviços: apenas pelo que fazem e não pelo que são.
Em boa verdade acabam por ser tratadas pior que as empresas pois, ao contrário do que sucede com estas, o valor dos bens produzidas pelas associações não incorpora as despesas de funcionamento nem tão pouco, com frequência, de trabalho (o calculo do valor da hora do mecânico que nos arranja o automóvel inclui as amortizações e as despesas de logística da oficina; o funcionamento dos projectos desenvolvidos pelas associações não só não as inclui, na maioria das vezes, como exige, quase sempre, uma comparticipação nos gastos).

3. É tendo por propósito possibilitar que a Democracia Participativa se afirme como dimensão estruturante da vivência politica económica da nossa sociedade …
É tendo por propósito impor que o associativismo seja tratado e encarado como forma organizada (promotora e produtora) de Democracia Participativa…
É, enfim, tendo por propósito contribuir para que as associações se conscientizem quanto ao seu papel na promoção e produção de cidadania e na construção de uma sociedade democrática e solidária,
… que nos parece fazer todo o sentido dar vida a um movimento social que chame a si:

- A clarificação e promoção dos princípios que o devem enformar e informar e que se podem traduzir em algumas palavras-chave como: autonomia, participação sociabilidades, solidariedade, rebeldia e politicidade;
- A requalificação da Democracia Representativa que, nascida de movimentos sociais tende hoje a dissociar o político do social, a incompatibilizar o nacional com o local e a contrapor representação e participação;
- A assumpção do carácter de alternativa social, cultural e económica que caracteriza grande parte das associações e iniciativas congéneres;
- A defesa da sustentabilidade económica do associativismo, enquanto condição necessária ao funcionamento da democracia como um todo.

A realização de um congresso programático do Associativismo e da Democracia Participativa coroará o desenvolvimento deste movimento, se funcionar como espaço de interpelação, de questionamento do poder político, de auto-questionamento dos comportamentos e de revindicação.

4. Naturalmente, quer-se que este movimento não pense apenas para fora mas também para dentro. Um conjunto de questões endógenas a ele terão de ser, com efeito e necessariamente, objecto de reflexão no congresso e no próprio processo da preparação. Por exemplo:
- O que se entende ao certo por democracia participativa? O que faz dela um projecto e uma prática política e reivindicativa?
- O que é o Associativismo Cidadão? Quando é que este é ou não é componente da democracia participativa (isto, tendo-se presente que grande número de associações tende a mover-se por uma lógica empresarial e que há associações actuando em diferentes domínios que podem, ou não, ser pertinentes para a Democracia Participativa)?
- Como podem as associações aprofundar o exercício da cidadania? Como ultrapassar fenómenos de caciquismo e burocratização?

5. Mas se estas são questões, digamos comportamentais, que importa definir, espera-se que naturalmente do movimento nasçam ideias sobre os aspectos do relacionamento do associativismo com o Estado e a DR, tais como:
- A forma justa de ressarcimento pelos bens de interesse publico que produzem;
- As diferenças que apresentam face ao mundo das empresas e as implicações que daí resultam em termos de financiamento e fiscalidade;
- O lugar que devem ocupar (e não apenas as associações mas também as populações) nas audições politicas, nas concertações sociais e nas políticas orçamentais.

6. O lançamento deste movimento, que agora se inicia, fez-se numa reunião para a qual foi convidada cerca de uma dezena de associações escolhidas por meras razões de proximidade e conhecimento mútuo e tendo por leitmotiv imediato a situação de precariedade em que grande parte delas vive.
O objectivo desta reunião vai, no entanto, muito para além do seu âmbito e das intenções que a motivaram.
Em primeiro lugar, quer-se que ela seja o despoletar de um Movimento amplo e abrangente, procurando-se, nomeadamente, implicar, na promoção, mais regiões e domínios de acção. Nesse sentido as Associações, presentes na reunião havida, são chamadas a animar encontros a nível local/regional em que se impliquem todos os possíveis potenciais interessados.
Em Segundo lugar, quer-se que o movimento funcione como um processo de consciencialização, de definição de linhas de acção e de princípios orientadores: o Congresso deverá surgir como a consagração de uma caminhada.
Em terceiro lugar, quer-se assegurar que o Movimento e as suas propostas ganhem visibilidade, o que passa pela participação activa de associações identificadas com princípios e práticas de cidadania.