sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Intervenção de abertura do Congresso

As razões de um Congresso do Associativismo e da Democracia Participativa

Em nome da Comissão Promotora do Congresso do Associativismo e da Democracia participativa saúdo todas e todos os participantes.

Esta minha intervenção tem como objectivo abordar as razões que conduziram à organização deste congresso, a sua actualidade política e social e explicar a dinâmica de participação que se desenvolveu durante o processo já decorrido e se pretende que continue ao longo destes dois dias.

Há muito tempo que dirigentes e outras pessoas implicadas no movimento associativo discutem o aumento das dificuldades de sustentabilidade das associações, a inadaptação da maioria dos instrumentos financeiros às suas necessidades e às solicitações dos territórios em que se inserem, a rigidez dos financiamentos e os critérios de natureza político-partidária pouco transparentes na atribuição dos apoios.

No entanto, na sociedade e no momento que atravessamos actualmente, o mundo associativo e as comunidades tomam cada vez mais consciência da necessidade e da importância da sua intervenção.

Na medida em que o Estado se tem vindo a demitir das suas funções na prestação de apoios e serviços, nomeadamente às populações mais carenciadas, aumenta o espaço de intervenção das associações e das outras entidades da economia social e solidária.

A discussão que está na origem deste congresso vinha sendo feita nos intervalos de reuniões, à mesa do café e a meio de outros debates.

Uma dessas associações, o ICE, no seu plano de actividades de há 3 anos punha como condição de sustentabilidade do movimento associativo a luta pela afirmação da democracia participativa e por uma nova relação da democracia representativa com a democracia participativa.

Foi na MANIFesta de Peniche, no verão de 2009, que esta discussão ganhou forma e se aprofundou o conteúdo com a realização de duas tertúlias sobre estes temas – “associativismo ou agencialismo” e “os corredores de liberdade nas associações”.

Duas tertúlias muita participadas das quais saíram várias reivindicações e propostas, entre elas a necessidade de se ampliar a discussão e de se criar um vasto movimento social em todo o país representativo das diversas formas associativas, capaz de pôr na agenda política nacional as suas preocupações e de contribuir para a reconfiguração da própria democracia representativa.

Assumiu-se também o carácter político do movimento associativo e o seu contributo para o aprofundamento da democracia participativa.

Um dos temas mais discutidos foi sem dúvida a falta de liberdade e o medo que se instalou numa boa parte das associações devido ao tipo de financiamentos a que estão sujeitas.

O medo de afirmar ideias diferentes da entidade financiadora, o medo do desemprego uma vez que o salário de muitos dos trabalhadores da economia social e solidária depende de projectos, em suma o medo de ter voz e pensamento próprio.

A falta de liberdade para adequar os projectos às reais necessidades das pessoas e dos territórios, a falta de liberdade para a expressão do seu pensamento e para a participação política.

Em Peniche ganhou também força a ideia de que as associações, ou uma boa parte das associações são promotoras e produtoras de cidadania, na medida em que desenvolvem e aplicam na sua acção metodologias participativas nos processos de decisão e de construção e que trabalham para melhorar a qualidade de vida das pessoas em todas as suas dimensões, considerando as pessoas como participantes e não como destinatários dos projectos.

Nessa Manifesta de 2009 este tipo de associações assumiu-se como forma organizada de democracia participativa e ganhou força a ideia de se defenderem novas formas de financiamento, que promovam o associativismo cidadão em vez de financiamentos que transformem as associações em prestadoras de serviços por conta do estado.

E tomou força também o imperativo do reconhecimento político do papel social e da afirmação da democracia participativa desempenhado de uma forma geral pelo movimento associativo.

A partir daqui, um conjunto de associações e cidadãos que participaram nestes debates desencadearam o movimento social que se exprime hoje neste congresso. Este não é um fim em si mesmo, mas vale sobretudo como forma de alargar o movimento, consolidar um caderno reivindicativo, promover uma reflexão interna sobre as nossas funções na sociedade e modos de funcionamento, conhecer melhor a enorme diversidade do movimento associativo em Portugal e acima de tudo definir politicamente o processo de desenvolvimento e afirmação da democracia participativa.

Com vista à organização deste congresso realizaram-se cerca de 100 reuniões de base local e regional por todo o país, nas quais participaram mais de 400 pessoas e 200 entidades.

Durante este processo verdadeiramente participado consolidou-se a ideia do movimento social a que se pretende dar corpo, precisaram-se conceitos, reflectiu-se sobre as nossas práticas e decidiram-se os temas e a metodologia de forma a promover a melhor participação de todos e de todas.

O modelo deste congresso, em que o debate se organiza a partir das tertúlias foi pensado com o intuito de garantir simetria nas relações, informalidade e debate aberto.

Este congresso decorre num momento de profundo agravamento da crise económica e social. Em Portugal, os dados e estimativas recentes revelam que cerca de 500 mil pessoas vivem em situação de pobreza extrema, recorrendo à ajuda dos bancos alimentares para não passarem fome, e mais de 2 milhões (cerca de 22% da população) vivem com menos 414 euros mensais. O factor que mais tem contribuído para esta situação é o aumento do desemprego, que se situa actualmente acima dos 10% (cerca de 600 mil desempregados – dados oficiais).

A pobreza é inimiga da cidadania, nenhum ser humano pode ser verdadeiramente livre quando gasta todo o seu tempo a pensar no modo como matar a fome.

O trabalho precário, o desemprego e a pobreza afectam a democracia na medida em que limitam as possibilidades de participação cidadã e desequilibram a relação laboral apenas num dos sentidos.

A actual crise é ao mesmo tempo endógena e importada mas, pior do que a crise são as soluções que não respondem efectivamente que à crise, pelo contrário tendem a reproduzi-la.

A insensibilidade dos governos para as dimensões sociais, humanas e ambientais do desenvolvimento, assim como para a participação cidadã e até para a promoção do desenvolvimento económico sustentável do país traduz-se numa opção clara entre dois pólos da sociedade.

O aumento do IVA, o corte nos apoios sociais, o aumento do preço dos medicamentos por via da diminuição das comparticipações da segurança social, o congelamento das reformas, a alteração aos critérios de atribuição do subsídio de desemprego, a diminuição do rendimento das famílias pela via directa do abaixamento salarial são bem o exemplo de uma política de costas voltadas para o desenvolvimento do país, para a promoção da qualidade de vida e da cidadania.

Também os apoios à economia social, há muito anunciados através do programa PADES, tardam em chegar, ao mesmo tempo que se assiste à falência de muitas entidades, algumas delas por interpretações abusivas por parte da administração.

Se a crise é um drama, as soluções para a crise revelam-se uma catástrofe.

Neste contexto, o fortalecimento do associativismo cidadão, que apela a um pensamento e a uma acção de resistência, de rebeldia e de afirmação de alternativas, de combate às desigualdades sociais e a todas as formas de exclusão, de promoção da coesão social, de revitalização da cidadania democrática e de luta pela dignidade humana é condição para sair da crise de forma sólida e sustentada com base num verdadeiro processo de desenvolvimento económico e social que promova a justiça, a igualdade de oportunidades, a cidadania e a paz.

Este congresso pretende ser um momento de reflexão colectiva em ordem à construção de um forte movimento social capaz de afirmar um pensamento alternativo baseado nos princípios da democracia participativa e da cidadania activa.

Queremos um movimento social constituído por entidades independentes com capacidade de autodeterminação dos seus objectivos e de determinação das suas próprias agendas políticas sem dependências pela via dos financiamentos relativamente aos institutos do estado e de quem conjunturalmente os dirige.

O estado e a democracia representativa financiam-se por via dos nossos impostos, somos de opinião que esses impostos devem contribuir para a sustentabilidade da democracia participativa, do seu fortalecimento e da sua elevação ao nível de parceira da democracia representativa.

Constitui um comando constitucional a ideia de um estado de direito democrático baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização políticas democráticas, onde se inclui o aprofundamento da democracia participativa.

Este reconhecimento constitucional está demonstrado pela vida e pela experiência das organizações da sociedade civil, atendendo especialmente ai efeito multiplicador da economia social e solidária nos territórios e nos sectores sociais com maiores debilidades estruturais na criação de emprego, de novas oportunidades económicas e participativas.

Conceber um estado social sem a componente da democracia participativa e da economia social e solidária é alienar um dos elementos mais potenciadores da justa redistribuição da riqueza económica e social em respeito pelos equilíbrios da natureza.

Para que este congresso cumpra os seus objectivos apela-se a uma forte participação de todas e de todos nas tertúlias, nos plenários e na Assembleia Deliberativa.

Este congresso é um momento alto de um movimento social gerado em torno da democracia participativa e da cidadania mas não é de todo um evento, é uma etapa de um caminho a percorrer no sentido do alargamento e aprofundamento deste movimento social.

Nesse sentido, a Assembleia Deliberativa que vai decorrer amanhã à tarde não é uma mera sessão de encerramento mas o momento de participação e deliberação colectivas que pretende traduzir o pensamento estratégico construído nas tertúlias e nos plenários.

Desejo ao Congresso bons debates, boas conclusões e que tenha a capacidade de as reproduzir nas comunidades locais e na sociedade em geral.

Maria do Carmo Bica - ADRL e Animar

2 comentários:

  1. ,,já passaram dez dias do "Congresso" e nem umas letras que mostrem e digam o que lá se passou....e concluiu...
    ,,,inquietação positiva ou desnorte e arranjos...?
    ,,virá ????

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