domingo, 7 de novembro de 2010

Reflexão sobre Associativismo e Desenvolvimento Local

Eixo 4 – Contributos do Associativismo para o Desenvolvimento Local

As associações desempenham de há muito um papel essencial na vida das comunidades, tanto nas rurais como nas urbanas. Sejam culturais e recreativas, desportivas ou de solidariedade social, as associações asseguram um contributo insubstituível na construção e afirmação de identidades colectivas, na formação artística e desportiva, no desenvolvimento e capacitação das pessoas enquanto cidadãs ou na prestação de serviços de proximidade.

Se estas respostas e dinâmicas não configuram, só por si, processos de desenvolvimento local, são contudo componentes de uma sociabilidade tendencialmente solidária e, seguramente, geradora de maior qualidade de vida.

Este associativismo enfrenta, no entanto, grandes dificuldades:
- individualismo crescente, a dificultar o empenhamento dos elementos associados e o recrutamento de novos;
- despolitização na sociedade e consequente conversão dos cidadãos em meros consumidores, quer de bens materiais quer de serviços, públicos ou privados;
- substituição crescente dos antigos “militantes”, que investiam pessoal e profissionalmente em objectivos de transformação social, por “técnicos”, que se limitam a procurar fazer bem o seu trabalho e reagem frequentemente como trabalhadores assalariados face ao “patrão dirigente”;
- falta de disponibilidade, em virtude do tempo perdido nas deslocações, nas compras, em duplas - ocupações, em trabalhos que se prolongam muito para além das 8 horas diárias;
- falta de formação relevante, a inviabilizar uma gestão mais informada, eficaz e mobilizadora, capaz de tirar partido de instrumentos e oportunidades existentes e de gerar dinâmicas de participação;
- falta de apoios externos, em termos de suporte técnico e de capacitação;
- dependência de financiamentos que quase nunca assentam em regras claras e democráticas, venham do Estado central ou das autarquias.

Claro que as IPSS contam com uma base de financiamento mais regular em virtude de contratualizarem com o Estado os serviços que produzem. Mesmo assim, a sua participação no estabelecimento das regras que regem os contratos é diminuta (se não mesmo nula) e, quase sempre, os acordos que celebram não têm em conta a extensão e a complexidade dos serviços prestados, nem o número real de pessoas beneficiárias.

Para tornar as coisas mais difíceis, a manutenção dos contratos vai estar sujeita à observância de normas de qualidade, mais voltadas para a adopção de procedimentos formais do que para uma melhoria substantiva dos serviços, e, a maioria das organizações nem sequer vai contar com apoio financeiro ou técnico para operar esta reconversão.

A par destas associações tradicionais, criadas numa base não profissional (embora possam contar com pessoal profissionalizado, particularmente no caso das IPSS), surgiram a partir da década de 80 novas associações centradas na promoção do desenvolvimento local, dotadas de uma base profissional. São habitualmente designadas como Associações de Desenvolvimento Local (ADL).
Algumas são anteriores à entrada de Portugal na Comunidade Europeia, mas a maioria foi tornada possível por essa adesão e todas passaram a basear a sua existência no acesso aos Fundos Europeus, através dos PIC ou dos programas inseridos nos Quadros Comunitários de Apoio.

Os seus contributos para o desenvolvimento local são indesmentíveis, no entanto, as limitações são também evidentes e as perversões existem. Relativamente às primeiras, basta pensar na diminuição dos fluxos financeiros da Europa (com a entrada recente de 12 novos Estados-Membros), no crónico atraso com que o Estado português efectua pagamentos, na dificuldade extrema em articular programas para garantir intervenções integradas no terreno, na não continuidade do financiamento (ou a sua suspensão durante algum tempo) que põe em causa dinâmicas que requereram um esforço intenso e prolongado, na ausência de apoio mínimo à criação e manutenção de equipas mobilizadas e capacitadas, numa pré-definição exaustiva dos programas e medidas que não dá margem à necessária contextualização aquando da sua aplicação concreta.

Quanto às perversões, três exemplos apenas: as ADL nem sempre constituem, de facto, entidades do 3º sector – algumas, por exemplo, estão profundamente municipalizadas; não está necessariamente garantida a participação das populações com que trabalham na realização e avaliação das actividades, para já não falar na concepção e negociação dos projectos; pode correr-se o risco de a manutenção das equipas se tornar a finalidade maior da organização, sobrepondo-se à própria missão reiteradamente afirmada.

Seja como for, pequenas ou grandes, profissionalizadas ou dinamizadas em termos de voluntariado, as associações existem e constituem instrumentos a ter em conta no lançamento e consolidação de processos de desenvolvimento de base local, numa perspectiva de construção de respostas integradas, participadas, solidárias e sustentáveis.

Para que o seu contributo possa ser significativo, cabe-lhes (cabe-nos) enfrentar com sucesso alguns desafios:
- associar de forma orgânica contribuições voluntárias e trabalho assalariado;
- conjugar eficiência na acção com radicalidade nos princípios e reflexão;
- assegurar uma aprendizagem mútua interna, intergeracional, entre elementos “antigos” e elementos “modernos”;
- integrar dinamicamente os vários tipos de associações em processos de desenvolvimento territorial;
- fomentar relações de proximidade e de solidariedade entre as associações de diferentes tipos e articulá-las numa plataforma do 3º sector à escala nacional;
- constituir o 3º sector como interlocutor do Estado e reivindicar um papel de co-produtor de alternativas sociais;
- encontrar soluções de financiamento sustentáveis e não condicionadoras da liberdade de acção.

Sem isso, não vai ser possível prosseguir e muito menos participar na criação das alternativas que a actual situação de falência – económica, social, política, ambiental e moral – requer com urgência.

Maria Priscila Soares (In Loco)

Sem comentários:

Enviar um comentário