sábado, 14 de setembro de 2013

RELATO DO ENCONTRO SOBRE O HOJE E O AMANHÃ DA DEMOCRACIA – PALMELA, 27/07/2013




Realizou-se no passado dia 27 de Julho, na Biblioteca Municipal de Palmela, o encontro promovido pelo Movimento da Democracia Participativa, sobre “O hoje e o amanhã da democracia.
Participaram 45 pessoas, através das quais estiveram presentes 10 plataformas/associações/grupos informais (Movimento DP, ICE, Base-FUT, SOLIM, Precários Inflexíveis, Associação 25 de Abril, Democracia e Dívida, SOS Racismo. Quercus, Grupo de Animação Comunitária), tendo estado representados na parte final três partidos políticos (PCP, PEV, BE) que intervieram no debate, e sendo ainda de registar que manifestaram também intenção de participar mas não puderam estar presentes algumas pessoas ligadas ao Congresso Democrático das Alternativas, grupo Economia e Sociedade, Manifesto por um Mundo Melhor e Rede de Cidadania de Montemor-o-Novo.
No início foram distribuídos aos participantes os documentos que algumas entidades presentes entregaram, com contributos relacionados com o tema do encontro ( Associação 25 de Abril, Base/FUT, Precários Inflexíveis e Movimento da Democracia Participativa). Estes documentos podem ser consultados no blogue do Movimento DP
Numa primeira fase do encontro, os participantes distribuíram-se por três grupos, tendo-lhes sido solicitado que o tema do encontro fosse abordado com base num guião constituído pelas seguintes questões: -- O que é que exprime melhor o fracasso da democracia que temos? – Quais as principais linhas de força da democracia que queremos? – Quais são os passos mais importantes a dar?
Posteriormente, e a partir da apresentação dos pontos de chegada de cada grupo, o debate prosseguiu em plenário, no qual estiveram igualmente presentes os representantes dos partidos com assento na Assembleia da República que acederam ao convite para intervirem na parte final deste debate.
Com base nos registos de que pudemos dispor em relação aos trabalhos dos grupos e ao plenário, salientaremos a seguir alguns pontos que consideramos mais relevantes de entre o conjunto das intervenções.
Tentámos sistematizar os principais tópicos referentes ás intervenções aqui citadas, relacionando-os com as três questões do guião entregue aos grupos.
O que é que exprime melhor o fracasso da democracia que temos?
Identificámos quatro grandes áreas dentro do conjunto de intervenções sobre esta matéria:
a)       o sistema político – partidário/a democracia representativa ( DR )a política tornou-se algo restrito a uma elite; o poder é conferido a partidos cujos militantes correspondem a cerca de 3% da população; os partidos dão muitas vezes a imagem de estarem fechados em si, sob o domínio dos respetivos aparelhos, reproduzindo-se através de juventudes formatadas e carreiristas, com estratégias de domesticação face às comunidades, grupos, organizações, etc; a DR (representa hoje quem? e como?) está descredibilizada, como indicam os aumentos progressivos de abstenções e de votos nulos e brancos; a democracia como regime é uma casa a esvaziar-se, enquanto cresce a descrença em relação às instituições e se perde a confiança em que a lei assegure a defesa dos direitos e dos dispositivos democráticos; mas não podemos esquecer que os partidos não são todos iguais.
b)      a pressão do capitalismo neoliberalo sistema capitalista prevalece na Europa sob a tutela dos países do norte e em Portugal assenta num setor empresarial dependente, com baixas habilitações, corrupção, etc.; o neoliberalismo de hoje é um ataque aos direitos elementares dos cidadãos, manipulando-os e estimulando o individualismo, no sentido de cada um salvar a sua pele; o estado tem vindo a empresarializar a sociedade civil, tornando-a uma espécie de seu subempreiteiro; o próprio estado está capturado pelo sistema de manipulação neoliberal, perdendo a sua soberania; o maior perigo nos dias de hoje é que o “estado de emergência” tem tendência para se sobrepor a tudo, e começa a haver a ideia de que a democracia é dispensável.
c)       o grau de participação cidadãna população em geral, predomina a despolitização e o alheamento face à política, com défice da participação dos cidadãos mesmo naquilo que poderia estar ao seu alcance; há a ideia de que a democracia é um facto na nossa sociedade, mas a democracia só será real se houver força para o exercício prático dos seus princípios, e não há força suficiente para isso; a participação cidadã já estava doente muito antes da crise atual, e as palavras “demissão, desresponsabilização, distanciamento, passividade, Nós versus Eles” exprimem bem o grau de défice da consciência e práticas de cidadania.
d)      os dispositivos de suporte da democracia – d1) a Constituição da República Portuguesa (CRP) – os princípios enunciados são fundamentais para a implantação e desenvolvimento da democracia, visando o aprofundamento da democracia participativa (DP) e colocando-a ao mesmo nível e em complementaridade com a DR; contudo, as portas abertas pela CRP em diversas áreas de DP não têm vindo a ser implementadas e incentivadas pela legislação existente, o que responsabiliza em grande parte a DR pelo longo processo de desempoderamento dos cidadãos que tem vindo a verificar-se (bastam 7500 pessoas para criar um partido mas são precisas 35000 assinaturas para que os cidadãos possam ter uma iniciativa legislativa; quer formalmente, quer sob o ponto de vista financeiro, é difícil aos cidadãos organizarem-se para uma candidatura independente às eleições autárquicas). – d2) o sistema educativo – a formatação, a domesticação e a hiperestruturação das atividades académicas vão predominando cada vez mais, ao mesmo tempo que há um esvaziamento da consciência política e que desaparecem as componentes da educação que promovem a participação, a criatividade e o espírito crítico, não se investindo no papel que as crianças e os jovens podem ter na construção da cidadania. – d3) o sistema laboral – no contexto da atual crise, as situações de desemprego e de precariedade geram insegurança e medo que constituem importantes constrangimentos para a democracia. – d4) dispositivos para a redução das desigualdades – quando na sociedade organizada se defende que a vontade coletiva resulta da soma das vontades individuais, está-se a ignorar que há condições muito diferentes, em virtude de existirem grandes desigualdades sociais; num contexto de competição desigual, há gente que quer ser gente (pobres, imigrantes, etc.) mas é impedida por outros; as próprias associações com orientação solidária e social vão sendo sufocadas por um espartilho de normas destinadas a empresas prestadoras de serviços, competindo entre si, perdendo participação voluntária e democraticidade interna, e sendo até domesticadas como no recente exemplo do regime jurídico que veio enquadrar as entidades da economia social.
Quais as principais linhas de força da democracia que queremos?
Queremos uma democracia em que as pessoas valham por si próprias e se corresponsabilizem pela polis.
Cada um de nós pode ser um cidadão com papel político responsável, independente ou organizado.
Estamos hoje obrigados a debater a democracia com um sentido concreto, pois os conteúdos deste debate são emergentes – problemas de saúde, educação, trabalho, desigualdades sociais, etc. Tudo isto tem que estar sempre em causa. A democracia está no centro das questões atuais, até porque é nela própria que está o caminho da mudança que queremos. Nada nos vai ser dado de bandeja. A única saída é a conquista de mudanças, através de um movimento cada vez mais alargado, tocando a sociedade em geral (mobilização popular, cidadã, continuada). Para isso, precisamos de ideias claras, denominadores comuns, superar preconceitos, conseguir ter experiências conjuntas. Não podemos diabolizar as várias formas de organização que existem na sociedade (associações, sindicatos,partidos, comissões de moradores, etc.) pois todas elas são constituídas por pessoas e são necessárias para as mudanças que queremos na sociedade portuguesa.
Quais são os passos mais importantes a dar?
É preciso reagir, organizarmo-nos, incomodar, pôr pauzinhos na engrenagem…
É preciso alargar a consciência de que os princípios da democracia definidos na CRP não estão a ser exercidos e que os cidadãos têm as potencialidades necessárias para tornar isso possível.
Se formos mais conscientes, corresponsáveis e participativos, podemos ser protagonistas de mudança. Só questionando o que está a acontecer é que não nos deixaremos aprisionar pelas manipulações.
É importante escutar os pobres e excluídos, promover a cooperação, nomeadamente com e entre os grupos mais vulneráveis, pela defesa dos direitos das minorias contra o poder dos mercados (exemplo de iniciativas da SOLIM na luta pelos direitos dos imigrantes).
É importante a força das petições, mesmo que venham a ser chumbadas, pois o seu impacto pode provocar mudanças (exemplo da petição dos Precários Inflexíveis).
Os processos em rede a nível local podem constituir um bom ponto de partida no trabalho pela polis, a partir das necessidades concretas, recursos e expectativas de cada comunidade, mobilizando cidadãos e cidadãs de forma sustentada na construção de alternativas, na valorização do sentido de pertença e na corresponsabilização pelo bem comum. É também neste contexto que pode inovar-se ao nível da cooperação entre os recursos locais (autarquias, comissões de moradores, associações de vizinhos e outras, CLAS, CSF, etc.), quer em relação à gestão autárquica (por exemplo, orçamentos participativos), quer no âmbito do desenvolvimento local.
É importante descobrir a força que pode ter a não- violência, através de gestos de insubmissão/desobediência civil. Isto pode fazer sentido não só a nível sociocomunitário, mas também em setores como a educação, a saúde, o trabalho, a proteção social, etc.
É fundamental passar dos ativismos momentâneos seguidos de desmobilização para movimentos sustentados, que vão crescendo em conscientização e se vão alargando a mais gente.

OUTRAS INTERVENÇÕES RELEVANTES NO PLENÁRIO:
É de referir a intervenção do representante da Associação 25 de Abril, que apresentou a iniciativa desta associação, intitulada “Vencer o medo, reafirmar Abril, construir o futuro”, através da qual se pretende alargar o mais possível a reflexão sobre os 40 anos decorridos entre o 25 de Abril de 1974 e o de 2014. Neste sentido, o representante da A25A apelou às associações, plataformas e movimentos sociais para darem o seu contributo a esta iniciativa, tornando-a mais plural e participada.
É também de referir a intervenção do coordenador do plenário, Prof. Orlando César, jornalista, que estabeleceu um paralelo entre as questões debatidas no plenário e os problemas inerentes à comunicação social. Chamou a atenção para a diferença entre repetir sem espírito crítico, comentar dentro do que o sistema quer, e fazer um discurso vazio de memórias, e um jornalismo que pretenda interpretar, mediar, criticar, e comparar com as memórias para apontar perspetivas e gerar alternativas. Esta diferença repercute-se aliás no que separa o jornalismo que incentive a participação e a cidadania, ou notícias que sejam veículo da alienação manipulada e promotora do consumismo.
A parte final do plenário foi quase toda preenchida com as intervenções dos representantes dos partidos políticos presentes, os quais apresentaram os seus pontos de vista a partir das suas próprias experiências e das leituras que fizeram sobre os temas em debate. Houve ainda algumas interpelações dos participantes e respostas dos representantes dos partidos. Não ficámos com registos deste conjunto de intervenções, mas consideramos que este momento constituiu uma fase ainda muito inicial dentro dos processos de diálogo que se desejam entre DP e DR.
Em virtude do alongamento excessivo do debate em plenário, tornou-se inviável a apresentação de uma síntese, a cargo do Rui d’Espiney , em nome do Movimento da Democracia Participativa. Não transcrevemos aqui as poucas palavras que o mesmo pôde ainda proferir para encerramento do encontro, pois o texto referente à intervenção que desejava fazer nesse momento é enviado separadamente.
      Lisboa, 07 de Setembro de 2013
     O Movimento da Democracia Participativa
 


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