Porquê? Como? Para quê?

Pressupostos que alimentam o nosso estar e o nosso agir no Movimento da Democracia participativa

Inconformados (indignados) com os atentados à cidadania que, de forma cada vez mais intolerável, atingem as pessoas... com os injustos sacrifícios a que se vê obrigada a quase totalidade da população... e com uma ordem político-partidária que afasta das decisões os indivíduos e as comunidades, juntamo-nos para dar vida a um movimento.

Claro em nós, não está ainda o caminho que se impõe trilhar, a forma que o futuro deve assumir, a reconfiguração política porque o país tem de passar. Mas sabemos, e isso de forma também clara, que uma mudança de realidade que temos e nos sufoca passa:

==> Pelas promoção da participação democrática;
==> Pela arte de induzir a passagem da fase de contestação acrítica do que se tem à da construção consciente da que se venha a querer;
==> Pela multiplicação de modos de agir diversos consoante as problemáticas que lhe dão origem ou o grau de consciência e nível de interesses de que nelas se implica;
==> Pela capacidade de “pôr em rede”, isto é, de conseguir que se potenciem mutuamente as manifestações de descontentamento e de busca de alternativas que se verificam ou verifiquem, independentemente dos seus protagonistas ou de muitas das formas que assuma;
==> Pela aposta decidida na transformação do local e na sua projecção universal;
==> Pelo dar da voz a quem a não tem tido, a quem de facto vem estando excluído dos processos participativos e decisórios.
==> Pela redignificação e requalificação da política e a afirmação e reforço do Espaço Público

Estes adquiridos explicam a circunstância de o Movimento da Democracia Participativa, a que queremos dar vida, se afirmar como um espaço de busca e de convergência de modos de pensar e de agir diferentes, e onde as ideologias e as opções políticas se entrechocam mas não se excluem.

Esta abertura no modo de fazer e de pensar não significa que o Movimento se feche na indefinição. Pressupõe, pelo contrário, que vivencie o que o une e  lhe dá corpo, a saber:

==> A percepção colectiva dos traços que caracterizam a Democracia hegemónica (que rejeitamos);
==> A assunção de objetivos estratégicos que apontem para o que, em concreto, se pretende atingir;
==> A adopção de uma metodologia em que nos revejamos colectivamente;
==> A identificação de algumas iniciativas passíveis de despoletar dinâmicas, indutoras de democracia e de mudanças-

A Democracia que temos (e não queremos)


Doze características pelo menos definem a ordem democrática que impera no nosso país:
- é de baixa intensidade. Limita-se a consagrar os mecanismos de representatividade não oferecendo condições à participação dos cidadãos nas decisões e opções dos representantes.
- serve um poder hegemónico e estatizado. Os representantes aparecem divididos entre os que pertence e os que não pertencem ao chamado “arco da governação”, circunscrevendo a sua acção à manipulação ou tentativa de manipulação das alavancas do Estado, sem nenhuma interacção com os que os elegeram.
- é estática e conservadora. Fixa como limites à contestação a inquestionabilidade do seu modelo de funcionamento: o direito é abordado à luz dos deveres que implica; o sistema vigente é assumido como uma ordem incontornável e só mutável a partir de si próprio. 
- é cada vez menos soberana. Progressivamente vem delegando os poderes que representa e as prorrogativas que possui nos detentores/dominadores da ordem económica e política europeia e mundial.
- é clientelista. A cor politica prevalece sobre a competência na selecção dos decisores colocados em lugares chave do Estado e/ou do sector empresarial influenciado pelo Estado (e recorda-se a título de exemplo, porque recente, a designação do presidente do conselho de administração da RTP conhecido pela sua bajulação ao 1º ministro).
- é promiscua na sua relação com a economia. Assiste-se a uma verdadeira “dança de cadeiras” entre decisores políticos e gestores empresariais.
- é classicista. Por iniciativa da maioria tem-se assistido a um progressivo e continuado atentado aos direitos dos trabalhadores, à protecção dos interesses dos socialmente privilegiados e ao alargar do fosso entre pobres e ricos.
- é monolítica. As regras de funcionamento e evolução do país são impostas pela maioria, sempre a mesma, apoiada na disciplina de voto, na obstrução à audição de governantes pelo Parlamento, no dictat quanto à definição da agenda politica. 
 - é repressiva .  Não apenas quando espanca, cega e massivamente, manifestantes , mas quando exerce a sua autoridade autocrática nos mais variados contextos(políticas de famílias, fiscais, escolares, etc )
 -é periferizante . Acentua as assimetrias territoriais, rurais e urbanas, com as suas opções de crescimento e de concentração de serviços.
-é retrógrada – Perfilha modelos de desenvolvimento economico e social experimentados no passado e a história já museoligizou
- alimenta a constituição e fortalecimento de uma classe: a dos “políticos” burocratas, dependente do aparelho de estado, e sustentada pelos cidadãos com os seus impostos.

Como é evidente, há diversidade na democracia representativa. Muitos dos representantes eleitos são opositores da tendência para que caminha a democracia hegemónica. O sistema está, no entanto, montado de modo a que não passem de simples vozes que não impedem a afirmação das características dominantes.

Objectivos estratégicos

A alteração da matriz “democrática” que nos oprime é, no entanto, possível, passando pelo reforço e afirmação da democracia participativa que a Constituição Portuguesa reconhece como um dos dois pilares da democracia plena mas que a prática dominante esvaziou.
Nesse sentido, impõe-se propugnar pela prossecução de objetivos que confrontem e reconfigurem a ordem política actual. Cinco são os que, no imediato, se nos afiguram decisivos. A saber: 
 - Induzir os partidos que enformam a democracia representativa a dedicar uma parte do seu tempo ao diálogo (um diálogo instituído) com forças emergentes da democracia participativa, não como uma concessão de quem recebe mas como um direito de quem é recebido. (Do mesmo modo que algumas autarquias reservam um ou mais dias da semana a receber e ouvir os munícipes, os representes dos partidos abririam um tempo na sua agenda para atender os cidadãos colectivos que agem na sociedade).
- Assegurar o financiamento da democracia participativa, pela afectação de verbas às suas formas organizadas, à semelhança do que acontece já em alguns países do norte da Europa. A desigualdade de oportunidades entre a democracia representativa e a democracia participativa está, de facto, bem patente na circunstância de à primeira serem facultadas todas as condições para o seu funcionamento material (vencimentos de representantes e assessores, orçamentação dos parlamento, pagamentos das campanhas eleitorais e de despesas de representação, etc…) ao mesmo tempo que são negadas as condições mínimas de subsistência das formas organizadas da democracia participativa… tratadas, por via de regra e na melhor das hipóteses, como prestadoras de serviços ao Estado e à própria democracia representativa. 
 - Pugnar por um novo funcionamento dos serviços e organismos públicos (escolas, Centros de Saúde, Segurança Social, etc.)orientados pela preocupação de criar um clima de vivencia democrática, associando os ”utentes” à sua gestão, à definição de prioridades, e à vigilância do exercício das suas competências.
 - Apostar decididamente no desenvolvimento do Local,  criando as condições à sua autogovernança, alimentada esta, por uma economia solidária que recrie e reprojecte os recursos humanos, materiais e imateriais que abriga.
 -Investir na redemocratização e efectiva territorialização de estruturas e redes locais existentes, tornando-as, de facto, instrumentos de definição e produção das políticas sectoriais que ditaram a sua constituição. É esse o caso dos CLAS e dos CLE que , de uma forma geral, se transformaram em instrumentos de operacionalização de políticas centrais e/ou de legitimação dos interesses de alguns dos seus actores colectivos (certas comissões locais de freguesia e orçamentos participativos em especial de jovens, podem, entretanto, ser vistas como focos, embora ainda embrionários, de poder democrático local).

Eixos Metodológicos

Alguns eixos metodológicos podem contribuir para a prossecução dos fins que se perseguem. Elegem-se entre eles :

- Dar-se corpo a um processo social pró democracia participativa que se afirme por interacção entre as várias iniciativas cidadãs esboçadas a nível local, regional e nacional em defesa dos bens públicos, dos direitos sociais e do desenvolvimento alternativo e tendo presente que está em causa uma crise que é civilizacional e mundial embora se exprima, a mais das vezes, de forma circunscrita.
- Encorajar a desobediência e a indignação. A democracia hegemónica sustenta-se na aceitação ordeira das suas práticas e manifestações, legitimando-se pela sacralização do seu próprio funcionamento. Superar esta ordem implica necessariamente uma prática transgressora.
- Desmontar os discursos dominantes. A democracia hegemónica reproduz-se e valida-se a partir de uma argumentação que naturaliza as suas opções, apoiando-se para o efeito na influência dos média que, de uma forma geral, alimentam esses discursos dando a voz, privilegiadamente, a quem os profere. Não é possível gerar contra corrente sem contrapor ao conhecimento hegemónico explícito um conhecimento alternativo, hoje ainda marginal.
- Animar e privilegiar os processos participativos nos mais diversos domínios (economia, cultura, educação, saúde, etc..) e âmbitos. A democracia plena constrói-se de baixo para cima e do pequeno para o grande, dando centralidade ao periférico e apostando-se no alterativo (no criação de um outro eu) mais ainda do que no próprio alternativo.
- Promover uma cultura da escuta, com o que se quer significar não apenas desocultar o que está oculto, ouvir o que está silenciado ou silencioso mas também interagir com quem se escuta e/ou se não ouve. 
- Finalmente, assumir a participação como um processo necessariamente recursivo. A democracia participativa organiza-se e funciona, também ela, recorrendo à representação, isto é, passando pela existência de representantes e representados. A ameaça de degenerescência que daí resulta – e em que sobressaiem os casos de autorepresentatividade -  exige que funcionem em simultâneo mecanismos permanentes de controlo colectivo das decisões e das opções.

Práticas possíveis

Pela sua própria natureza –nomeadamente o facto de se assumir como um espaço aberto que se recria consoante quem vai aderindo, as oportunidades que surgem ou os incidentes que ocorrem – o Movimento da Democracia Participativa propõe-se “navegar à vista”, priorizando, em cada momento, os desafios que vão emergindo. As iniciativas que a seguir sugere têm, pois, de ser encaradas como meras possibilidades datadas no tempo, não se duvidando no entanto que podem funcionar, desde agora, como factores de mobilização dos que, hoje, se identificam com o Movimento.

Concretamente, propõe-se:

- A articulação com as plataformas de cidadãos existentes (Precários, IAC, Oprima, etc.) ou que se venham a constituir, contribuindo-se para uma prática colaborativa entre elas;
- A interacção com a comissão saída do congresso das alternativas na perspectiva de aprofundar o trabalho por este previsto no âmbito da Democracia Participativa; 
- A organização, um pouco por todo o país ( mas a partir, no imediato, dos locais com que os seus membros interagem), de espaços de debate sobre temas candentes para os cidadãos ( tertúlias, oficinas, etc.). 
- A implementação/apoio de/a iniciativas de promoção da cidadania de grupos mais vulneráveis e/ou invisíveis (crianças, jovens, mulheres, idosos/as) ,nos mais diversos âmbitos (economia, cultura, etc.)
- O envolvimento de cada um em iniciativas que respondam às aspirações manifestas e implícitas dos cidadãos no campo das artes, da cultura, da pobreza, do emprego, da educação, da saúde, e do ambiente.
- O investimento na viabilização do Observatório de Bens públicos a que o ICE se propõe dar corpo, Observatório que deverá contemplar os mais diversos sectores (Água, Educação, Saúde, Ambiente, Cultura etc.)
- A realização de encontros anuais alargados que ajudem a dar visibilidade aos passos dados no sentido da afirmação da Democracia Participativa
- A progressiva estruturação de núcleos regionais do Movimento que chamem  a si a operacionalização de objetivos estratégicos e a dinamização de estas e outras práticas.
- A aposta na construção de conhecimento sobre o processo vivido e as alternativas produzidas, orientada eventualmente para a publicação de um livro sobre os caminhos para a democracia.

Nota Final

A democracia representativa não está em causa:  é um imperativo incontornável. Mas só se tornará de facto um pilar da Democracia se reconfigurar  , estabelecendo uma nova relação com os cidadãos, e abrindo-se ao impulso da democracia participativa, sob pena de, em caso contrário, se tornar, inevitavelmente, uma alienação. Assim o mostra o que está a acontecer no nosso país. Só com a democracia participativa, a democracia representativa cumprirá o mandato do pensamento republicano: liberdade igualdade e fraternidade. 



Texto aprovado na reunião do 
Movimento da Democracia Participativa
Em Coimbra, 9 de Fevereiro de 2013